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Texto sobre Letramento na educação infantil de Suely A. Mello

Letramento (e não alfabetização) na educação infantil e formação do futuro leitor e produtor de textos. Suely Amaral Mello Com este breve artigo, quero chamar a atenção das professoras e professores de educação infantil para uma questão que rodos consideramos fundamental: a aprendizagem da linguagem escrita. Formar nossas crianças para serem leitoras e produtoras de textos (ou até escritoras) todos queremos. Mas para isso acontecer, precisamos compreender como as crianças aprendem a linguagem escrita, como se tornam leitoras e produtoras de texto? Como se dá esse processo? A partir desse entendimento, precisaremos pensar sobre a forma adequada de se iniciar esse processo já na educação infantil. Antes de iniciar, gostaria de destacar duas coisas: 1. faz pouco tempo que começamos a estudar e a entender a linguagem escrita em sua complexidade e a pensar como seu ensino deve se dar. Por isso, de um modo geral, nossas práticas carecem de uma base científica. Havia métodos, mas não havia estudos e pesquisa sobre eles... na década de 80, tornou-se conhecida a pesquisa de emilia ferreiro. Nessa década também começamos a conhecer as pesquisas de vygotsky e, com elas, aprendemos uma nova maneira de ver o processo de aquisição da linguagem escrita e de entender esse processo na educação infantil. Creio que muitos de nós nos lembramos de como fomos apresentados à escrita. No primeiro dia de aula no ensino fundamental, a professora nos apresentou o A, ou melhor, os As: A, a, A, a . Nos dias que se seguiram fomos apresentados aos Es (E, e, E, e) depois aos Is, e depois aos Os... e enquanto isso a gente podia escrever ia, ui, ei, oi ai,... Entre nós, alunas e alunos, tinha gente que nem sabiam para que servia ler e escrever. Outros estávamos loucos pra aprender a escrever... mas ninguém que estava querendo aprender a ler e a escrever queria escrever ai, ui, ei ou oi!!!!! Nós queríamos escrever cartas pro papai Noel, ler cartas da avó... mais isso parece que não ia acontecer nunca. Depois das vogais vieram as consoantes... uma de cada vez. E com elas podíamos escrever dedo, dida, baba, bebe... mas, de novo, ninguém de nós queria escrever essas coisas. A escrita nos foi apresentada assim porque se entendia o desafio de aprender a ler e a escrever era dominar a relação entre letra e som. E quando a criança aprendesse essa relação e, portanto, soubesse dizer o som de uma palavra escrita (ler) ou grafar o som de uma palavra, estaria alfabetizado. Essa idéia também combinava com uma outra que era a seguinte: uma maneira de apreender um processo complexo é dividi-lo em partes. Dividido em partes, o complexo se torna simples. No processo de alfabetizar, então, a correspondência entre som e grafia deveria começar com a letra que seria o elemento mais simples. Nada de “Esperado papai-noel”... primeiro o mais simples: o a... o a, não, os A A aa “Qual o problema com essa forma de ensinar?”, alguém vai certamente perguntar. Há alguns. Vejamos: 1. Ela não responde à vontade das crianças de ler e escrever de verdade. Projeta a resposta a essa vontade lá para o final do ano depois de muito treino de letra. Será que ela sobreviverá? Ou vai se perder no caminho? tchã tchã tchã... 2. ela não considera que a linguagem escrita é um instrumento cultural complexo, ou seja, é um instrumento criado pelos homens e mulheres que viveram antes de nós e não é um instrumento simples como um copo, colher, uma tesoura cujo uso se aprende pela observação e pela utilização do objeto. A escrita é um sistema de signos que representa um outro sistema de signos. Ao escrever, representamos o som da fala, mas esse som da fala não é apenas um som...ele tem um significado. Esse significado representa a realidade: as coisas do que falamos, nossas idéias, sentimentos, informações... Podemos representar dessa forma esse sistema: estrela  “istrela”  escrita  fala  realidade Ou seja, a escrita representa a fala, que, por sua vez, representa a realidade. Mas, quando nos ensinaram a ler e a escrever, não se apresentava a escrita dessa maneira. Enfatizava-se apenas uma parte desse sistema de representação: a relação estrela  “istrela” ...ou seja, a relação escrita  fala e isso, ainda de maneira simplificada na relação letra  som. A gente aprendia a ler sem pensar no que aquela escrita significava. E aprendia a escrever palavras vazias de significado para cada um de nós. A barriga do bebê é grande, líamos corretamente com todos os es e os finais bem claros, mas nunca nos perguntamos como a barriga do bebê podia ser grande se bebê é pequeno por definição. O significado da escrita não interessava naquele momento... estávamos aprendendo a relacionar sons com letras, nada mais! E a partir daí, nossas lições de leitura eram sempre com ênfase na leitura correta dos sons expressos pelas letras. Quem não se lembra que ganhava nota 10 em leitura quem lia com o dedo acompanhando as sílabas, tomando cuidado para não errar a correspondência entre as letras escritas e os sons representados por elas. A pontuação era outro cuidado que precisávamos ter... líamos com um olho na sílaba e outro na final da oração... para não ser surpreendido com uma interrogação ou uma exclamação escondida no final da oração, o que nos fazia corrigir imediatamente o tom da oração... no caso da exclamação, tínhamos que encher o peito e no caso da interrogação, dávamos uma subidinha no tom. Quem continuava a leitura tinha que saber exatamente onde o leitor anterior havia interrompido a leitura. Mas nunca nos perguntavam sobre o significado do texto lido. Muito mais tarde, quando começaram a nos perguntar o que significava aquilo que tínhamos lido, já era tarde...pensar no significado exigia um novo esforço... exigia uma atitude que eu não tinha aprendido com a aprendizagem da escrita e da leitura na escola. E quando me perguntaram, pela primeira vez o significado do que eu tinha acabado de ler (já nem lembro se foi no ensino médio ou se foi na escola fundamental ou se foi na faculdade ou mesmo no pós-graduação), me lembro que eu tive que ler de novo o texto.... algumas pessoas têm que ler mais de uma vez e algumas, muitas vezes, nem chegam a esse significado. Ou seja, essa forma de ensinar a ler e a escrever tem esse problema... forma gente que lê sem compreender o que lê e escreve sem autoria, ou seja, só consegue repetir : copia, escreve ditado, mas tem dificuldade de produzir um texto seu. A essa situação de ler e escrever sem ser capaz de compreender e se comunicar, começou a ser conhecida como analfabetismo funcional. Essa expressão quer dizer que a pessoa não sabe exercer a função social da escrita que é: 1. ler e compreender o que outros querem dizer com a escrita e 2. escrever o que pensa, o que quer dizer para os outros. Conta-se que esse fenômeno foi percebido inicialmente na França: operários que tinham ensino médio completo (ou seja, tinha permanecido na escola em torno de 11 anos) não eram capazes de compreender um manual, ou seja, ler e pela leitura saber como montar, ou desmontar ou consertar, ou usar uma máquina. Estima-se que esse fenômeno do analfabetismo funcional atinja em torno de 30 em cada 100 alfabetizados. Quando estudamos a maneira como as crianças se relacionam com o mundo, com a cultura (tudo o que as pessoas criaram: as linguagens, as diferentes línguas, os hábitos e costumes, os objetos e os instrumentos que utilizamos, as técnicas...) descobrimos que a criança ao aprender qualquer coisa, atribui um sentido ao objeto. Por isso, precisamos estar atentos ao sentido que levamos nossas crianças a atribuir às coisas que apresentamos a elas. Quando enfatizamos o aspecto técnico da escrita (o como se escreve, a relação entre escrita e fala), acabamos por nos esquecer da sua função social, pois o aspecto técnico requer tanta esforço que se não fizer sentido para as crianças, vira uma tarefa pesada. O diálogo abaixo acontece entre um menino de 6 anos, que passa boa parte do dia na pré-escola fazendo lições de escrita desde os 4 anos de idade, e uma pesquisadora. Ao perceber a pesquisadora que escreve no fundo da sala, ele se aproxima curioso e pergunta: - Moça, o que você está fazendo? - Estou escrevendo! - a pesquisadora responde. - Por que?- insiste o menino. - Para eu ler mais tarde e me lembrar do que eu vi aqui na sua sala! - responde a pesquisadora. - Quem mandou? - pergunta o menino. Nesse breve diálogo há uma grande denúncia. Ele denuncia a concepção de escrita que a escola ensinou para esse menino: escrevemos o que alguém manda. A escola parece que não ensinou para o menino que a gente escreve o que a gente quer comunicar para alguém ou quer lembrar mais tarde. Essa escola está preocupada em ensinar a ler e escrever, mas se esquece de começar ensinando que a escrita serve para a comunicação com os outros, para expressar o que sentimos, pensamos, aprendemos; serve para divulgar uma idéia, para lembrar. Para esse menino, muito provavelmente, escrever significa escrever letras e ler significa ler reconhecer as letras. Sem ter essa intenção, a professora ou o professor da educação infantil está dificultando a aprendizagem da leitura e escrita desse menino. E o problema é que depois de tanto esforço dele próprio e da professora, quando ele se defrontar com um texto e quiser ler buscando no texto as letras, não vai entender nada, porque um texto contém idéias e informações. As letras e as sílabas constituem apenas o aspecto técnico da escrita, mas não constituem a sua essência. Depois de tanto tempo gasto com o treino de escrita, percebemos que isso não serviu para avançar o desenvolvimento cultural dessa criança. Nem poderia, pois, como diria Vygotsky, lhe ensinaram as letras, as sílabas e as palavras, mas não a linguagem escrita que é muito mais complexa e envolve muito mais do que o aspecto técnico representado pela correspondência entre sons e letras. Essa prática – que, em geral, se limita ao reconhecimento das letras do alfabeto, da escrita de palavras isoladas e de cópia de frases ou textos que não expressam idéias, sentimentos, descobertas das crianças - traz um conjunto de problemas para a educação das crianças. Em primeiro lugar, as turmas de educação infantil não têm mais tempo e ambiente para as brincadeiras e as fantasias infantis, pois estão ocupadas com tarefas criadas especificamente para ensinar as crianças a ler e a escrever. Com isso, as crianças deixam de formar as bases necessárias para a aprendizagem da escrita – a necessidade de ler e escrever, a necessidade de expressão, a função simbólica, o controle da vontade e da conduta (ou a auto-disciplina); a percepção antecipada do resultado da atividade. O treino de “escrita”, num momento em que a criança não está ainda preparada para essa aprendizagem, torna-se lento e demorado, exige um esforço enorme da criança e, por isso, acaba por tomar a maior parte do seu tempo na escola. Além disso, na maior parte das vezes, acaba sendo uma experiência de fracasso para a criança, pois em geral ela não cumpre a expectativa da professora – que é inadequada para a idade da criança, é importante que se diga! Apresentada de forma equivocada e na hora errada, a experiência da escrita vai se tornando, desde cedo, uma experiência negativa do ponto de vista emocional: a criança vai acumulando uma história de fracasso (e de cansaço) em relação à escola e à escrita. Ao enfatizar o aspecto técnico - começando pelo reconhecimento das letras com as quais a criança não lê nada e gastando um tempo enorme numa atividade que não expressa informação, idéia, ou desejo pessoal de comunicação ou expressão - acabamos por ensinar à criança que escrever é desenhar as letras, quando de fato, escrever é registrar e expressar informações, idéias e sentimentos. Como apresentar a escrita de modo a formar o leitor e o produtor de textos? Se queremos que as nossas crianças aprendam a compreender o texto que lêem, ou seja, aprendam a buscar sempre as idéias presentes no texto, temos que apresentar a escrita como se ela fosse uma representação de 1ª ordem, ou seja, como se a escrita representasse diretamente a realidade. Em outras palavras, devemos chamar a atenção da criança primeiro para o significado do texto (ou seja, para a relação entre escrita e realidade) e só mais tarde é que chamaremos sua atenção para a ligação entre escrita e fala. Com isso, percebemos que a forma adequada de apresentar a escrita para as crianças de modo a formar as crianças para serem leitoras e produtoras de texto é o contrário do que fazíamos até agora: em vez de apresentar as letras, para depois formar sílabas, para depois formar palavras e depois formar os textos, agora sabemos que devemos primeiro apresentar os textos, mais tarde destacar as palavras e só no final do processo é que chegamos às letras e sílabas. Em outras palavras, primeiro usamos a escrita em sua função social e só mais tarde apresentamos seu aspecto técnico... depois que as crianças tiverem convivido bastante com a escrita e a leitura feitas pela professora e tiverem entendido (pela experiência vivida testemunhando atos de leitura e escrita) para que servem a leitura e a escrita, vamos começar a ensinar como se faz para escrever. Portanto, chegamos a duas conclusões importantes: 1ª. a forma como aprendemos a alfabetizar precisa ser atualizada frente aos novos conhecimentos que temos hoje sobre esse processo 2ª. não iniciamos o ensino da linguagem escrita pelas letras e sílabas. A pergunta que precisamos fazer é: o que podemos fazer na educação infantil para iniciar esse processo que, como diz o Vygotsky, tem uma longa pré-história? Quais são as bases orientadoras que precisam ser formadas nas crianças para que elas prendam a ler e a escrever? 1. aprender a ler e a escrever precisa se tornar uma necessidade para ela. Como fazemos isso? Sabemos que não é falando para as crianças que elas formam essas necessidades. È do processo de vivências que as crianças têm que nascem as necessidades. Por isso, a melhor forma de criar essas necessidade nas crianças é usar a escrita junto com elas crianças em situações verdadeiras: escrever junto com as crianças cartas para alguém distante (e, de verdade, mandá-la), escrever junto com as crianças os bilhetes para os pais, escrever junto com a turma as regras de convivência e colar na parede para todo mundo poder se lembrar, manter um diário do que acontece a cada dia na escola junto com a turma.  Quem escreverá tudo isso? A professora ou o professor!  O que escreverá a professora ou o professor? O texto das crianças! A professora e o professor escrevem o desejo de expressão e comunicação das crianças. Na escola da infância, o professor e a professora sempre escrevem o texto das crianças. De que outras formas podemos usar a escrita na escola para que a criança testemunhe sua função social, isto é, perceba para que serve a escrita e crie para si a necessidade da escrita? Da mesma forma acontece com a leitura. A criança precisa conviver com a leitura como um instrumento que tem uma função social  Quem lê textos na educação infantil? A professora e o professor. As crianças testemunham a leitura, convivem com textos escritos (livros, gibis, jornais) e pedem para a professora ler coisas que querem saber. De que outras formas podemos usar a leitura para que as crianças percebam a função social da escrita e se forme nelas a vontade de ler? Em outras palavras, como proporcionar experiências com a linguagem escrita muito antes de aprender a escrever? Conforme diz Vygotsky, da mesma forma como a fala se torna uma necessidade da criança que vive com gente que fala, a escrita deve se tornar uma necessidade da criança ao conviver com gente que lê e escreve. Por isso, todos os atos de escrita do professor e da professora devem ser testemunhados e não escondidos das crianças. 2. Para ter o que escrever, a criança precisa ter algo a dizer. Por isso, para Vygotsky, a história da escrita começa muito cedo na vida da criança. Para esse estudioso, a escrita não começa no momento em que colocamos um lápis na mão da criança. A linguagem escrita tem uma longa história que começa no primeiro gesto, quando o bebê tenta se expressar e se comunicar apontando o objeto de seu desejo. Em outras palavras, a história da escrita começa com a vontade da criança de se expressar, de se comunicar. Assim, quando a professora no berçário interpreta o gesto do bebê e fala com ele, essa professora está contribuindo para a formação desse bebê como leitor e produtor de textos. Entre o gesto do bebê e a escrita na idade escolar, a criança percorre um longo caminho e passa por diferentes linguagens, isto é, por diferentes maneiras de se expressar e se comunicar. A fala, o desenho, a pintura, a modelagem, a escultura, o faz-de-conta são formas de expressão das experiências vividas pelas crianças. Por isso, uma tarefa importante da professora das crianças pequenas é proporcionar experiências que deixem as crianças encantadas, maravilhadas, boquiabertas... e tenham muito o que expressar a partir daí... (vale lembrar que nós, professoras e professores, temos muito o que aprender também: como deixar a criança desenhar livremente, como provocar a pintura de sentimentos e experiências vividas, como estimular a dança como expressão de experiências e sentimentos... e o mesmo para a música, a escultura...) É a criança que quer se comunicar que está por trás do gesto, da fala, do desenho, da brincadeira. É, igualmente, a criança que quer se comunicar que precisa estar por trás da mão que escreve. Por isso, todas as atividades de expressão – que em geral ocupam lugar de segunda categoria em nossas escolas, como a fala, o desenho, o faz-de-conta, a modelagem, a pintura - precisam ser estimuladas e cultivadas se quisermos que as nossas crianças se apropriem da escrita como leitoras e produtoras de texto. Algumas atividades estimulam o desejo de expressão das crianças: - conhecer o espaço por meio de passeios pelos arredores da escola, pelo bairro e pela cidade; - conhecer pessoas por meio de visitas, de aproximação com as pessoas que trabalham na escola, de visita dos pais, mães e avós da turma à escola, de leitura de histórias, de poesias, de audição de música, de filmes; - conhecer mais sobre os assuntos que chamam sua atenção por meio de observação e experimentação na natureza, leitura, vídeo, conversa com trabalhadores de diferentes áreas, pessoas com experiências diferentes – por exemplo, quem trabalha com cultivos diferentes, quem cria abelhas, quem pesca, quem faz pão, quem costura, etc. Com tudo isso, quero dizer que, se queremos que nossas crianças leiam e escrevam bem e se tornem, de fato, leitoras e produtoras de texto – o que é uma meta importantíssima do nosso trabalho como professoras e professores-, é necessário que trabalhemos profundamente o desejo e o exercício da expressão por meio de diferentes linguagens: a expressão oral por meio de relatos, poemas e música, o desenho, a pintura, a colagem, o faz-de-conta, o teatro de fantoches, a construção com retalhos de madeira, com caixas de papelão, a modelagem com papel, massa de modelar, argila, enfim, que as crianças experimentem os materiais disponíveis que a escola e seus professores têm como responsabilidade ampliar e diversificar sempre. Essa necessidade de expressão – é sempre importante lembrar – surge a partir do que as crianças vêem, ouvem, vivem, descobrem e aprendem. Quando essas experiências são registradas por escrito por meio de textos que as crianças criam oralmente e a professora registra com as palavras das crianças, garantimos a introdução adequada da criança ao mundo da linguagem escrita. Entretanto, não parece demais repetir, não começamos propondo atividades de escrita para a criança, mas estimulando e exercitando seu desejo de expressão e sua expressão em diferentes linguagens. Fazemos isso quando a deixamos contar suas histórias de vida e de imaginação para o grupo - e também contando histórias para elas. Também estimulamos e exercitamos seu desejo de expressão quando estimulamos sua observação, quando solicitamos rotineiramente sua opinião sobre os problemas e os temas discutidos na sala, quando solicitamos sua participação na solução de problemas que surgem na turma, quando avaliamos todos juntos o dia vivido na escola. A participação das crianças no estabelecimento das regras e dos combinados da turma e na organização da rotina e do plano do dia – o que vamos fazer hoje – são outras formas de envolvimento da turma com a escrita em sua função social. Todas as decisões da turma – desde regras, até o plano do dia – podem ser escritas pela professora e ilustradas pelas crianças. Por isso, não nos enfatizamos a quantidade de informação a criança recebe mas principalmente a qualidade desse processo. De nada adianta a criança receber uma quantidade grande de informações se ela não tiver tempo para assimilar na atividade essa informação e expressar seu aprendizado. A informação vai ser apropriada apenas se a criança puder interpretá-la e expressá-la sob a forma de uma linguagem que torne objetiva esta sua compreensão. Essa linguagem pode ser a fala, um desenho, uma maquete, uma escultura, um cartaz, um jogo de faz-de-conta, uma história, uma brincadeira, ou mesmo um texto que as crianças criam e a professora ou o professor escreve. Aprender é um processo de diálogo que se estabelece entre a criança e a cultura, processo esse que, na escola, é mediado pela professora ou pelo professor e pelas outras crianças. Isso implica, essencialmente, dar voz à criança e permitir sua participação na vida da escola, num projeto que é feito com elas e não para elas ou em lugar delas. 1. A função simbólica da consciência é outro elemento que a criança precisa ter formado como base para aprender a ler e a escrever. Em primeiro lugar, entender que o significado desse conceito se refere à capacidade de uso de um objeto para representar outro. Uma vez que a escrita é uma representação de segunda ordem (representa a fala que, por sua vez, representa a realidade), a função de representação precisa estar bem formada na criança que aprende a ler e a escrever. Como se forma na criança a função simbólica? Quando ela brinca de faz-de-conta... “faz-de conta que esse paninho é o manto da princesa”; “faz-de-conta que esse cabo de vassoura é um cavalinho”... e dá-lhe brincar de faz-de-conta... vale lembrar que para isso, a criança precisa ter tempo livre na creche e na escola infantil, precisa ter muitos objetos ao seu redor que provoquem lembranças de experiências vividas e muitas experiências vividas envolvendo papeis sociais diferentes para imitar (médico, motorista, bombeiro, dentista, cientista, carteiro, pintora, professora, artista de circo e de teatro...). 2. O auto-controle da vontade ou a auto-disciplina é outro elemento que forma as bases necessárias para aprender a ler e a escrever. .. e não só para aprender linguagem escrita, mas para todo e qualquer aprendizado escolar. Que experiências e vivências formam na criança a auto-disciplina? De novo, só o faz-de-conta é capaz de formar a autodisciplina nas crianças dessa idade. Ao imitar os adultos no faz-de-conta, a criança imita seus comportamentos, muito mais auto-controlados que o comportamento infantil que ainda se move pelo “eu quero” e só aos poucos vai aprendendo a se orientar pelo “eu devo”. 3. Finalmente, a aprendizagem da escrita exige a antecipação (sob a forma de imagem mental ou idéia) do produto que vai ser obtido no final da atividade. Esse é um tipo novo de atividade para a criança. Até os 6 anos de idade, já sabemos que a atividade pela qual a criança mais aprende é o brincar de faz-de-conta. No brincar, o que interessa é o processo. O brincar não tem produto... por isso, enquanto brinca, a criança vai inventando e incorporando elementos na brincadeira, conforme queira. No brincar, a criança não se preocupa com um produto... a atividade vale enquanto está acontecendo. Na atividade de escrita, ela precisará ter -já no início da atividade- a idéia do produto do que ela quer obter no final. Essa idéia antecipada do produto (uma carta? um conto? um bilhete? uma lista?) orienta o fazer da criança enquanto ela estiver escrevendo. Como se forma na criança essa idéia antecipada do produto? Quando ela desenha, pinta, faz maquete, faz escultura (com caixa de papelão, com argila ou com massinha), quando faz culinária... ou seja, quando realiza atividades que tem um produto que ela pode ver, perceber o dos outros... Tudo isso, precisa ser formado na criança para garantir que ela de fato se alfabetize ...não para ser um analfabeto funcional, mas para ser leitora e produtora de textos. Portanto, temos aí um caminho a ser percorrido pelo professor e pela professora de educação infantil – e um currículo - para a formação das nossas crianças para gostarem de ler e de escrever: enfatizar vivências e experiências em que as crianças se expressem por múltiplas linguagens como o desenho, a pintura, a brincadeira de faz-de-conta, a modelagem, a construção, a dança, a poesia e a própria fala. Possibilitar a convivência com textos escritos e registrar com as crianças as experiências vividas sob a forma de textos coletivos ou individuais (jornal da turma, por exemplo). Todas essas atividades que são, em geral, vistas como improdutivas seja no ensino fundamental, seja na educação infantil, mas, na verdade, são essenciais para a formação da identidade, da inteligência e da personalidade da criança. Segundo um autor francês chamado Roland Barthes, “a gente escreve o desejo da gente... e o desejo da gente não acaba nunca”. Eu diria, se for cultivado na criança, o desejo de expressão não acaba nunca.

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